Resumo: A cada dia, as repercussões do bullying aumentam em nossa sociedade. Ao mesmo caminho em que são publicados diversos livros e artigos do gênero, intensificam-se os casos e sua gravidade em ambiente escolar. Para dialogar com essa complexa trama, o objetivo desse artigo é o verificar como o professor de Educação Física Escolar se comporta diante do preconceito em suas aulas. Assim, aplicamos um estudo etnográfico com diário de campo e questionário semi-estruturado em quatro escolas particulares do Rio de Janeiro. Os resultados acusam que 100% dos professores afirmam saber o que é bullying e que 70% repreenderiam esta atitude em suas aulas. Por considerações finais, verificamos que a conduta prática difere dos relatos e que o docente naturaliza o preconceito, maximizando seus efeitos negativos.
Palavras-chave: bullying, Educação Física Escolar, docente;
THE NATURALIZATION OF BULLYING BY THE TEACHER OF PHYSICAL EDUCATION: an ethnographic study
Abstract: Each day, increase the impact of bullying in our society. The same way as they are published several books and articles in the genre, intensify the cases and their severity in a school environment. To engage with this complex plot, the aim of this paper is to verify how the teacher of Physical Education behaves in front of prejudice in their classes. Thus, we apply an ethnographic study with field diary and semi-structured questionnaire in four private schools of Rio de Janeiro. Results charge that 100% of teachers claim to know what bullying and 70% would criticize this attitude in their classes. For final consideration, we note that the practical conduct differs from reports that teachers and naturalizes prejudice, maximizing its negative effects.
Keywords: bullying, physical education, teacher;
INTRODUÇÃO
Estamos
vivendo um momento de grande violência social e escolar. Os constantes
episódios de chacinas seguidos de homicídio em escolas estrangeiras como resultados
do preconceito, que antes só assistíamos pela televisão, passam a se tornar uma
realidade brasileira, como no caso recente do colégio de Realengo, em que no
ano de 2011, Wellington de Oliveira adentra a sua antiga escola e atira em diversos
estudantes. O adolescente, que se suicidou, havia deixado uma carta relatando ter
sofrido bullying na escola, e que
estava praticando o episódio para se vingar da instituição, além de enfatizar
que era vítima do Estado. Por esse e outros motivos, uma das palavras mais
discursadas nos últimos tempos no meio acadêmico e nas mídias televisivas e
auditivas se chama bullying. De
maneira lástima, tal incidente se concretiza como uma prática comum nas escolas
e sociedade.
Diante
desse contexto, é preciso entender melhor o fenômeno. No entanto, buscamos uma
perspectiva diferente da estudada na temática, que comumente se revela na
análise do discurso e comportamento dos alunos. Para tanto, traremos à tona a
voz de um dos agentes mais importantes na trama do preconceito escolar e que,
em diversos momentos, não é ouvido: o professor. Assim, iremos refletir o
conteúdo de seus discursos e comportamentos para compreender melhor quais são
os elementos que fazem o mesmo se portar de uma maneira e não de outra quando
presente em episódios preconceituosos. Buscando contextualizar o tema, prosseguiremos
nossa introdução caracterizando o bullying.
Valle
(2011) e Perfeito (2013) esclarecem que se analisado de forma etimológica,
podemos perceber que surge da palavra americana bully, que como verbo – to
bully – significa tirano, aquele que maltrata, ameaçador, tiranizador,
entre outros. Já como substantivo, faz referência à brigão e valentão. Além
disso, pertence à semântica bull,
referindo-se a animais fortes e grandes, como o touro e o elefante.
Segundo Lopes
Neto (2005), Villaça e Palacios (2010), Silva (2010) e Maldonado (2011), pode
ser entendido como tudo aquilo representado por expressões e comportamentos de
cunho agressivo, ao longo do tempo e repetidamente, através da disparidade de
poder. Valle (2011) o divide em direto e indireto. No primeiro caso, o agressor
exprime ações relativamente abertas e direcionadas contra a vítima. Já no
segundo, se manifesta por meio de posicionamentos sociais negativos, difusão de
rumores maliciosos e inferiorização da vítima quando o mesmo não está presente
em tempo e espaço.
Ainda pelas
palavras de Valle (2011), o direto é mais utilizado na escola por meninos
através de xingamentos, ameaças e agressões físicas visando o mal estar da
vítima. O indireto é mais praticado pelas meninas, e tem a intenção de causar a
indiferença, negação, isolamento e difamação. Embora de importante
classificação, Perfeito (2013) a contesta, pois apesar de alguns estudos
apontarem essa ligação “tipológica” por sexos, não é possível confirmar que
esta separação seja fidedigna, uma vez que o preconceito está enraizado, entre
outros, no simbólico e na estratificação do poder, que perpassam qualquer
sentido de classificação biológica.
Vieira,
Mendes e Guimaraes (2009) e Perfeito (2013) explicitam que diante da ligação
entre o preconceito e a escola, surgem algumas expressões específicas para a
violência escolar, como a school shooters, que significa tiros na escola. Este termo é utilizado para retratar
homicídios na instituição de ensino, onde um dos estudantes que sofre
constantes episódios de bullying se revolta contra o estabelecimento e
colegas de classe, resultando em tragédia através de tiros letais com armas de
fogo. Muschert (2007) explica que os atiradores, quando não se suicidam, deixam
claro que o alvo é a escola, como instituição representativa, e a sociedade, dos
quais são vítimas, similar ao que ocorreu no caso descrito anteriormente em
Realengo. Lima e Zakabi (1999) e Harding, Fox e Mehta (2002) complementam que para os atos
semelhantes ocorridos fora da escola, é empregada a expressão: rampage
school shootings, como no incidente de São Paulo em 1999, em que um
estudante de Medicina adentrou em um cinema e atirou em toda a platéia ferindo
e assassinando diversos telespectadores.
As conceituações
até aqui destacadas são importantes, no entanto, em uma tentativa de mostrar
que o preconceito é muito mais do que algo violento e repetitivo com a intenção
de causar danos ao outro visto apenas na perspectiva do aluno que sofre,
Perfeito (2013) vai além da simplificação conceitual que caracteriza tudo em
nossa sociedade como bullying:
Uma forma interessante de
pensar no bullying seria dialogando
com as genealogias de Nietzsche e Foucault em que, cada um a seu modo, constrói
interações cognitivas quanto aos mecanismos manipulatórios diante do
comportamento humano. Percebe-se que existem elementos de cunho simbólico que
representarão substancialmente a intenção do fazer ou não fazer por meio das
estratégias de poder social. O preconceito pode ser entendido como uma
manifestação de domínio.
Portanto,
não podemos simplesmente e somente pensar no bullying como uma violência escolar em que o agressor visa trazer
transtornos físicos ou morais repetidamente e por longo tempo a outra pessoa
[...]. Existe um diálogo que está por trás do compreensível aos olhos. Existe
uma relação entre o agressor e o agredido que se media por representações
simbólicas, que são construções sociais que traçam
possibilidades e limites que permitem palpar o mundo, o saber e o viver [...] (PERFEITO,
2013, p. 55).
Por esta via e diante da repercussão
negativa do bullying no processo educacional
e social refletida a luz do referencial teórico, o objetivo desse trabalho se
revela em buscar subsídios que esclareçam como o professor de Educação Física
Escolar entende e se comporta perante o preconceito nas suas aulas práticas
e/ou teóricas, naturalizando-o ou repreendendo-o.
Para atingir o objetivo proposto, utilizamos
como metodologia a pesquisa qualitativa de cunho etnográfico, com observação
direta e diário de campo diante da conduta docente nas aulas de Educação Física
em quatro escolas particulares do estado do Rio de Janeiro e, ao final, a aplicação
de questionário semi-estruturado.
Este trabalho possui como justificativa,
primeiramente, o prazer que o autor possui pela temática, além do grande
quantitativo de livros e artigos já publicados e disponíveis nos bancos de
dados científicos e bibliotecas, facilitando a confecção da revisão e da discussão.
Além disso, traz uma proposta ainda pouco estudada e que possibilita a
ressignificação comportamental do docente diante da trama.
Sua relevância científica consiste em atribuir mais uma pesquisa ao somatório de trabalhos que buscam entender melhor o universo do preconceito, no entanto, dessa vez, fazendo luz também ao comportamento e fala do professor. Já a relevância social incide em estimular novos pensamentos que auxiliem na discussão do preconceito dentro e fora da escola, minimizando as violências físicas e simbólicas que tanto destroem vidas pelo mundo.
Bullying: do passado a
atualidade
Por estar
fortemente vinculado à mídia dos últimos anos, alguns podem acreditar que o bullying é um fenômeno atual e
inovador. No entanto, Goffman (1963), Perfeito (2011; 2013) esclarecem que é
uma atividade muito antiga e praticada por meio da exarcebação dos sinais ou
signos de descrédito. Os gregos utilizavam cicatrizes ou pinturas corporais
para identificar homens que retornavam das batalhas. Guerreiros que venciam as
lutas eram marcados com sinais que os remetiam a fortes, corajosos e capazes.
Já aqueles que eram derrotados, tinham seus corpos marcados com sinais
depreciativos, os identificando como fracos e desonrosos. Criava-se, desse
modo, uma classificação de inferioridade aos sujeitos com marcas negativas, com
o intuito de classificá-los em tal sociedade como alguém que devia ser evitado,
pois não era merecedor de respeito. Assim, são construídos grupos sociais,
remetendo aos sujeitos um status
simbólico de algo que carece ser melhorado, surgindo então, o estigma através
do sinal corporal, e que hoje, é chamado de bullying.
Passados
alguns anos, especificamente na década de 1970, Olweus (2003) revela que o
termo bullying passa a ser utilizado
na Noruega para designar atos negativos na escola. Assim, exclusões sociais,
episódios de violência física ou moral entre crianças no ambiente escolar já
recebiam conceituações referentes ao preconceito escolar. Villaça e Palacios
(2010) expõem que na década de 1990, diversos outros países discutiam com maior
intensidade a temática, como nos Estados Unidos, França e Alemanha.
Segundo
Hirigoyen (2005), Peter Heinemann, médico sueco, utilizou em 1972 o termo moobing para nomear comportamentos
agressivos na escola. Leymann, terapeuta da família, também utilizou tal termo
para caracterizar atos de violência e superioridade em ambiente de
trabalho.
Goellner
(2001; 2005) diz, que também na década de 1970, o termo “gênero” foi discutido
através das análises teóricas acerca das desigualdades entre o masculino e
feminino, já que vinham ocasionando episódios preconceituosos e de
superioridade. No Brasil, as reflexões sobre gênero na Educação Física foram
moldadas por influencias francesas e norte americanas, sendo melhor estudadas
pós 1980.
Para
Pershing (2006) e Lutgen, Tracy e Alberts (2007), no início de 1980,
preconceitos ou outras violências sofridas por estudantes de Medicina eram
chamados de “abusos”. Os agressores eram constituídos por colegas discentes e
pelos docentes do próprio curso de Medicina. Silver e
Gliken (1990), Baldwin, Daugherty e Eckenfels (1991) e Maida et al. (2007) relatam que como
consequências da violência, podemos citar o alcoolismo, o uso de drogas mais
lesivas, depressão, enfraquecimento da relação aluno/professor/profissão e o
favorecimento da hierarquia de poder.
O motivo do
grande quantitativo de autores estudando o fenômeno se deu, entre outros
fatores, pelos crescentes desastres escolares envolvendo homicídios e
assassinatos, além da atribuição de causa dos mesmos ao bullying, fazendo com que o campo de pesquisa relacionada ao
preconceito ganhasse importância e destaque a partir de 1990, como veremos
abaixo.
Segundo Larkin (2007), após Abril de
1999, o bullying ganha proporções
diferenciadas. O que antes eram incidentes físicos e morais que não provocavam
diretamente a morte, após a data, passam a retratar também grandes homicídios.
O marco dessa transformação de características se dá em Columbine, nos Estados Unidos, após dois estudantes adentrarem em
sua escola, a Columbine High School,
e atirarem em seus amigos de classe matando um professor e doze estudantes,
além de ferirem mais 30 pessoas, culminando no suicídio dos dois jovens. No
mesmo ano em São Paulo, como dito na introdução, um estudante de Medicina
dispara tiros de metralhadora na platéia de um cinema de um shopping, matando três pessoas e ferindo
mais quatro. Oito anos após, Marques (2007) revela que um estudante sul coreano
matou 32 pessoas no instituto Virginia
Polytechnic Institute and State University nos Estados Unidos e após, se
suicidou. Antes do incidente, o assassino havia gravado vídeos onde convocava
pessoas fracas a fazer o mesmo, se dizendo influenciado pelo ocorrido em Columbine.
Os exemplos não param por aqui, segundo
Ramage (2007), em 2007, o jornal The
Sunday Paper, reproduziu reportagens relatando assassinatos em massa em
ambiente escolar em diversos países, como o Canadá, Alemanha e Suécia.
Em incidente mais atual no Brasil, no
ano de 2011 e noticiado pela G1 (2011), um jovem de 23 anos invade sua antiga
escola no bairro de Realengo no Rio de Janeiro matando 11 estudantes e se
suicidando. O assassino também havia gravado um vídeo relatando sofrer
problemas advindos do preconceito padecido por anos na escola.
Além destes aqui já citados, outros estudos estão propondo o bullying nas perspectivas referentes à: como as representações simbólicas influenciam negativamente as identidades sociais e o processo educacional (PERFEITO, 2013); a formação e classificação de grupos sociais e professores em meio ao bullying (PERFEITO, 2011); o bullying e o cyberbullying inseridos em patologias, síndromes e dependências (VALLE, 2011); a tecnologia mal utilizada propiciando episódios de cyberbullying (MALDONADO, 2011; PERFEITO, 2012); relatos preconceituosos através de estórias (LASERRA, 2010); e como prevenir a violência na escola (FANTE, 2005).
Como o professor pode identificar o preconceito na escola
Para que o
docente consiga emitir qualquer juízo de valor ou comportamental sobre os diversos
tipos de preconceito, existe a necessidade de saber identificar o fenômeno.
Assim, iniciaremos o presente tópico explanando algumas caracterizações
contidas na literatura.
Nas
palavras da Abrapia (2006) e de Perfeito (2012), o bullying pode ser caracterizado como um episódio que contempla
ações entre dois ou mais atores, ou ainda, entre um ator e o uso da tecnologia,
visando através de ações ou palavras: tiranizar, estigmatizar, assediar,
intimidar e ofender.
Para
Schuster (1996), pode ser identificado como tudo aquilo que possui a intenção
de causar lesão física, ou ainda, provocar desconforto através de gestos
obscenos, boatos e rumores, xingamentos e exclusão de um ou mais indivíduos de
um determinado grupo social.
Geralmente,
o estigmatizador ou agressor não tem interesses em causar danos somente
físicos, mas também, morais. Os abusos morais, segundo Barreto (2003), podem
ser entendidos como episódios em que expõem um ou mais indivíduos a situações
constrangedoras ou humilhantes, repetida e prolongadamente, através de condutas
desumanas e negativas, desestabilizando emocionalmente a vítima, forçando-a a
desistir de seus ideais com o intuito de causar prejuízos. Perfeito (2011)
relata ainda que os danos além de físicos e morais podem ser simbólicos, construídos
pelas teias de relacionamento que regem as percepções de vida. E que apesar de
dada caracterização, existe ainda a demanda de conceitos que ultrapassem a
limitação de não apontar quais seriam as práticas sociais consideradas assédio
a moral, pois muitas vezes, as ações são agrupadas e classificadas como imorais
por representações e vivências intrínsecas, ou seja, moldados por
acontecimentos e culturais inerentes a cada ser. Daí a importância de entender
sobre as representações simbólicas.
Lopez Neto
(2005) relata que na maioria dos casos, os alunos ou indivíduos estigmatizados
são aqueles que adentram ao ambiente já desesperançados por algum episódio
qualquer anterior ou que são inseguros com sua aparência física, demonstrando
falta de confiança em seus gestos e falas e baixa estima, sendo taxados como
diferentes e inferiores.
Deste modo,
é de suma importância que o docente entenda o real significado do preconceito e
suas repercussões para que possa não só intervir diante do acontecimento, como
também, refletir e discutir com seus discentes os estragos que o bullying pode causar ao indivíduo e
sociedade.
Portanto, não existe a tão famosa receita de bolo. Uma das maneiras mais sensatas de identificação e combate do preconceito na escola por parte do professor seriam a leitura e a discussão de casos de estigmatização que ocorreram dentro e fora da mesma, assumindo o corpo discente como construtor de conhecimento e unindo forças com todos os outros membros da instituição, que por ventura, auxiliariam nas melhores atitudes a serem tomadas. Atitudes reflexivas, e não punições.
METODOLOGIA
Trata-se de
uma pesquisa qualitativa em formato etnográfico (SILVA e VOTRE, 2012) em que
foram observadas aulas de Educação Física Escolar em quatro escolas particulares
da zona norte do estado do Rio de Janeiro, por seis meses, duas vezes na
semana, em turmas escolhidas aleatoriamente que variavam do 6° ano do ensino
fundamental ao 3° ano do segundo grau, totalizando 288 aulas assistidas (277
práticas e 11 teóricas), com duração média de 50 minutos, a fim de criar um
diário de campo com o comportamento docente em presença de preconceitos de
diversos níveis em suas aulas. Vale ressaltar que as escolas foram escolhidas
pela proximidade de moradia do pesquisador, destituindo qualquer valor político
ou de qualidade dos dados. Os 13 participantes foram constituídos por quatro
mulheres e nove homens com idades entre 26 e 42 anos, moradores da zona norte
do estado do Rio de Janeiro e com tempo de formação que variava de 1 a 17
anos.
Quanto ao
diário de campo, objetivando evitar influências na coleta dos dados, não
existiu qualquer documento padrão, como por exemplo, aqueles que já possuem
classificados em colunas os mais comuns tipos de preconceitos escolares. Assim,
o mesmo foi construído seguindo o presente roteiro: o pesquisador se
posicionava na lateral da quadra ou nas últimas cadeiras da sala de aula com o
intuito de possuir maior poder de visão, e portando folhas em branco e uma
caneta, realizava anotações junto às observações comportamentais do professor sempre
que surgia algum episódio preconceituoso por parte dos alunos ou até mesmo por
parte do próprio docente.
Após os seis
meses, devido à passividade docente diante dos acontecimentos, aplicamos um
questionário semi-estruturado para verificar se conheciam ou já haviam ouvido
falar sobre bullying. Todos os
participantes foram elucidados sobre a pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.
As
perguntas foram: a) você já ouviu falar ou conhece o significado da palavra bullying? b) acredita que em seu
trabalho, durante suas aulas, pode acontecer algo semelhante? c) caso
ocorresse, faria algo?
Para a
construção da revisão de literatura foram pesquisados artigos nos bancos de
dados da Scielo e PubMed com os descritores bullying, preconceito, professor e
escola, nas línguas inglesa e portuguesa, além de artigos e livros de
biblioteca pessoal, que foram acumulados ao longo do tempo por leituras
sugeridas por docentes dos cursos de especialização em Educação Física Escolar
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do mestrado em Ciências da
Atividade Física da Universidade Salgado de Oliveira. O critério de exclusão
dos artigos foi a leitura de título e resumo, sendo eliminados os textos que
não eram conformes à proposta do artigo.
RESULTADOS
Quanto ao diário de campo
Em todas as
aulas foi verificada a presença de bullying,
principalmente em formato de agressão verbal entre os alunos, e apenas dois
professores buscaram alternativas para minimizar o evento. Assim, agruparemos
os mais recorrentes episódios violentos durante as aulas.
Tabela 1: episódios de bullying mais recorrentes
Episódio |
Como
ocorriam/intervenção do professor |
|
|
1. Xingamentos e ofensas entre alunos |
Em todas as aulas era possível presenciar xingamentos e ofensas
entre os alunos, principalmente entre os do sexo masculino. Apenas dois
professores pararam a aula para pedir que os alunos diminuíssem o nível das
agressões, não permitindo ofensas. |
2. Agressões físicas entre alunos |
Em algumas aulas ocorreram também agressões físicas entre
meninas e com maior incidência entre meninos. No primeiro caso, os motivos
eram de relacionamento amoroso ou por não gostarem da pessoa. No segundo
caso, por erros durante os jogos ou por confusões iniciadas por xingamentos. |
3. Xingamentos entre aluno e professor |
Apesar de não presenciada a agressão diretamente ao professor,
era possível perceber algumas ofensas direcionadas ao docente sem que o mesmo
pudesse escutar, após contrariarem a vontade dos alunos do sexo masculino. |
4. Agressões físicas entre aluno e
professor |
Para nosso alarde, em um dos episódios em que um dos professores
tentava cessar uma briga, um dos alunos se irritou com a atitude e iniciou
agressões físicas (um soco e um empurrão) ao docente. |
Fonte: dados da pesquisa
Tabela 2: possíveis
episódios de bullying realizados pelo
docente
Episódio |
Comportamento do
professor |
|
|
1. Maximização da masculinidade |
Alguns professores, diversos momentos, e aparentemente sem
perceber, tratavam com delicadeza os alunos do sexo feminino e com maior
solidez os do sexo masculino |
2. Utilização de apelidos |
Era comum que os alunos chamassem uns aos outros por apelidos,
os agentes envolvidos gostando disso ou não. Alguns docentes acabavam por
repetir os apelidos inventados pelos discentes. Ao serem perguntados do
motivo de não utilizarem o nome de registro, os professores explicaram que de
alguns alunos nem se lembravam mais, e que os mesmos gostavam de se
identificar por tal. |
Fonte: dados da pesquisa
Tabela 3: acolhimento
do pesquisador
Característica do professor |
Comportamento |
|
|
1. Professores do sexo masculino |
Ao receberem a informação sobre a pesquisa e a necessidade de
observação de sua aula, todos os professores do sexo masculino ficaram
desconfiados do procedimento. Até que convencidos da importância do estudo, e
um documento assinado pela direção de cada escola auxiliou nesse
convencimento, notavelmente estavam incomodados com a ideia de outro
professor observar suas aulas. Após os primeiros dias, o pesquisador foi
melhor acolhido, criando redes de amizade. |
2. Professores do sexo feminino |
Dos quatro professores participantes do sexo feminino, uma
estava bastante incomodada a ponto de pedir um relatório sobre como ocorreria
a pesquisa. Por meio da inspeção, momentaneamente, as outras professoras
também se apresentaram desconfiadas, no entanto, em seguida aceitaram
participar do estudo sem maiores empecilhos. A disponibilidade de
participação sem contestamentos foi maior no sexo feminino comparado ao masculino.
|
3. Professores com maior tempo de
formação profissional |
Ao analisar as informações sociais dos participantes, apesar de
dado subjetivo diante da percepção, os professores com mais tempo de formação
se sentiam mais incomodados com a presença do pesquisador. Em momento
posterior, ao final da pesquisa e de maneira menos formal, um dos docentes de
maior idade e de maior tempo de formação confessou que por não ter todo o
“pique” de antigamente, entendia que sua aula não tinha a mesma qualidade dos
demais mais jovens, e que ter alguém assistindo sua aula, poderia revelar tal
fato e prejudicar seu emprego. |
Fonte: dados da pesquisa
Quanto ao questionário
Inicialmente,
o questionário não fazia parte de nossa metodologia. No entanto, após as
observações e o diário de campo, foi perceptível que a maioria dos professores optava
pela passividade diante das agressões verbais entre alunos. Buscando
compreender um pouco mais sobre esse comportamento, inserimos um pequeno
questionário com o intuito de verificar se os docentes possuíam alguma
familiaridade com o fenômeno bullying.
Quando
perguntados se conheciam o que significava a palavra bullying, 100% dos participantes disseram conhecer seu significado.
Na segunda pergunta, foram repetidos os 100% ao relatarem que podem acontecer
preconceitos em suas aulas. Na terceira pergunta, 70% (n=9) disseram que interviriam
de alguma maneira, enquanto 30% (n=4) disseram que não tomariam qualquer
atitude.
Vale a
ressalva de que o percentual foi arredondado para melhor percepção dos números.
Gráfico 1: percepção
dos professores
Fonte: dados da pesquisa
DISCUSSÃO
Iniciamos a
discussão alertando certa discordância entre os discursos contidos no
questionário e a conduta profissional dos professores de Educação Física
participantes. O percentual de 100% alcançado ao relatarem compreender o que
significa a palavra bullying já era
esperado e apenas reafirma o que dissemos na introdução, que a cada dia tal
termo é mais noticiado nas mídias televisas e auditivas devido à maximização de
sua gravidade. O que nos preocupa são 100% dos professores assumirem que o
preconceito pode ocorrer em suas aulas e que 70% dos mesmos tomariam alguma
atitude para contornar a situação, quando na verdade, seus discursos se diferem
muito da realidade. De maneira abundante foram presenciadas agressões
simbólicas por meio de xingamentos e ofensas, e em menor quantidade, agressões
físicas. No entanto, poucos foram os docentes que interferiram no
acontecimento, naturalizando xingamentos e agressões nas aulas práticas e em
algumas aulas teóricas, contradizendo, portanto, o que relataram no
questionário. Os xingamentos mais recorrentes eram de atribuição da homossexualidade
como algo ruim. Assim, quando algum aluno errava um fundamento era “punido”
sendo chamado de “gay” e “bichinha”, caracterizando de certo modo, a homofobia.
Como relata
Grossi et al. (2007), existem
diversos tipos de manifestação do preconceito. O direcionado ao homossexual é
um dos mais recorrentes. A homofobia pode ser conceituada por agressões físicas
ou morais ao homossexual, direta ou indiretamente, visando o isolamento,
afastamento ou medo. As ações preconceituosas são movidas por sentimentos como
a aversão, ódio e fobia, criando comportamentos adversos às leis da sociedade.
Apenas em complemento, segundo Abreu (2011), existem ainda outras modalidades
preconceituosas que não são estudadas com tanta intensidade, como o bullying rural, religioso e eleitoral.
A
naturalização da agressividade e do preconceito tanto pelo viés do aluno, como
pelo viés do docente está cada vez mais comum nas escolas. Apesar de se tratar
da minoria, é preciso repensar algumas ações, já que 30% dos professores
disseram que não tomariam alguma atitude ao perceberem o bullying em suas aulas com a justificativa de que sozinhos não
conseguiriam contornar o caso ou que os xingamentos são naturais nos jogos e
esportes, ou ainda, que interromperiam a aula a todo o momento, o que
inviabilizaria a prática. Este é outro ponto a ser ressignificado diante de
nossa conduta como docente, pois como diz Perfeito (2011) o preconceito é uma
construção social passível de ser aprendido e repreendido no contexto de
vivência em sociedade. Outro fato importante é que os docentes são modelo de
conduta para os discentes. Se não utilizarmos ferramentas para demonstrar que o
preconceito é algo ruim e não aceito, ao mesmo tempo, estamos afirmando que o
mesmo é natural e que é normalmente aceito em nossa sociedade, desconstruindo
um dos objetivos da escola, que é a formação do cidadão.
Outro tipo
de naturalização preconceituosa percebida durante as observações e anotações no
diário de campo era a distinção de tratamento entre os discentes do sexo
masculino e feminino por parte do docente. De forma automatizada, os docentes
tratavam carinhosamente as meninas com palavras mais suaves, abraços, enfim,
sem nenhum abuso sexual, mas com mais afeto, enquanto para os meninos, o
relacionamento vinha de apertos de mão bruscos, voz mais robusta e firme e
corpos mais afastados. Mais uma vez, não existia qualquer tentativa de afeto
sexual, no entanto, indiretamente o professor fortalecia a masculinidade
preconceituosa presente na sociedade brasileira, em que atribui fragilidade ao
sexo feminino e virilidade ao masculino, quando sabemos que as diferenças biológicas
existentes entre os sexos não carecem de tratamentos diferenciados, como os
percebidos.
Além disso,
em nossa pesquisa, apenas os docentes do sexo masculino, utilizavam apelidos
como “negão”, “caveira”, “fanta” e “nitinho”, para não citar todos, diante dos
discentes do sexo masculino e “lindinha”, “meu anjo”, “querida”, entre outros,
para os discentes do sexo feminino quando conversavam com os mesmos durante os
jogos e intervalos, apelidos e pronomes de tratamento esses, criados pelos
próprios discentes ou como uma ferramenta de carisma estruturada pelo professor.
Por mais
que pareçam palavras simples, estão imersas em uma gama de significados
simbólicos que se não forem trabalhadas e discutidas pelo professor, podem se
tornar pontos gatilhos para agressões morais diante dos discentes e docentes. Um
exemplo seria uma das alunas se sentir menosprezada ou inferiorizada por também
não ser chamada de “lindinha”, uma vez que no imaginário representativo deste
grupo social, não ser referenciado assim, pode significar um formato de
afirmativa antagônica. Outro exemplo poderia ser a indagação do discente negro
ao ser chamado de “negão”, enquanto os outros alunos de cor de pele branca não
são chamados de “brancão”, afinal, todos nós possuímos um nome de registro documentado.
Cassirer (1994) explica que diferente dos sinais, os elementos simbólicos
possuem discursos profundos que adentram às emoções e percepções de cada
sujeito, provocando sentidos e significações diferenciadas, que por sua vez,
nos auxiliam na percepção do mundo. Assim, reforçando a ideia, se tais palavras
não forem refletidas, podem se tornar um provocador a curto ou longo prazo de
casos de bullying.
Retomando a
discussão à luz da literatura atual, como é possível verificar, o preconceito não
é exclusividade das escolas pesquisadas neste trabalho. Diante de dados
contidos em Abrapia (2006), em estudo realizado em 11 escolas do Rio de Janeiro
com alunos do 6° ao 9° ano, 16% já foram vítimas do preconceito, 12,7% foram agressores
e 10,9% foram vítimas e agressores.
Assim como
o percebido em nossa pesquisa, para Oliveira e Votre (2006), diversos docentes
se deparam com o preconceito em suas aulas e não sabem o como agir. É
importante que os professores auxiliem os alunos a entenderem a temática com
pensamentos e atividades inclusivas, expondo que atitudes desrespeitosas devem
ser evitadas tanto dentro como fora da escola. Para Perfeito (2011), a crença
de que o preconceito é uma brincadeira de momento e que não traz maiores
repercussões deve ser combatida.
Em
complemento, Lopes Neto (2005) diz que é papel do professor estabelecer um
limiar entre a seriedade e a brincadeira, ou seja, atuar mediando a reflexão de
que todos, independente de suas diferenças, possuem os mesmos direitos. Para
isso, o docente em conjunto com a escola deve construir um ambiente acolhedor e
seguro na sala ou quadra de aula, refletindo sobre atitudes discriminatórias ou
preconceituosas. Além disso, segundo Perfeito (2013), o professor deve trazer a
tona o afloramento das representações simbólicas, demonstrando que a percepção
de vida, os desejos e ideais, se diferem de acordo com a vivência de cada um,
construindo imaginários sociais e formando diferenças que devem ser percebidas
e respeitadas.
É quase que
unânime nos artigos e livros o discurso de que é papel do professor buscar
ferramentas práticas e teóricas para compreender conceitos e combater os
preconceitos existentes em suas aulas. Perceber o bullying enquanto evento escolar é de suma importância para que se
consiga educar os alunos para o fato de que existem diferenças entre os
sujeitos, mas que estas são normais e devem ser respeitadas.
Como
relatam diversos autores, a diferença deve ser trabalhada durante as aulas pelo
professor (BUTLER, 2003; LOURO, 2004; MEYER e SOARES, 2004).
Foi
perceptível também a separação e construção de grupos estigmatizadores e de
estigmatizados. Para Perfeito (2011), existem questões impostas pela sociedade
referentes à classificação de grupos e atribuição de valor ao estereótipo
relacionado às práticas corporais que culminam em atos preconceituosos dentro e
fora das aulas. O professor deverá lidar com essas questões padronizadas
advindas do preconceito social, exercendo abordagens co-educativas para que
aquele que sofre o preconceito não desista de se conhecer e se representar pelo
que é e, no caso do agressor, entender que a diferença não é motivo de
categorização e desvalorização social.
E por isso,
que o tema nos excita a pesquisar, pois como visto nos resultados, todos os
professores dizem entender o que é bullying,
no entanto, o conhecem somente por relatos ou reportagens televisivas,
dificultando sua intervenção e afastando seu discurso de sua conduta
profissional.
Em últimas
palavras diante da discussão, é preciso relatar o incomodo por parte de alguns
professores ao perceberem que o pesquisador estaria observando suas aulas. Como
profissionais da Educação, e principalmente como cidadãos, é nosso dever nos
pautarmos com ética e desenvoltura técnica entre nossos amigos de profissão e
alunos. Quando um dos docentes confessou não planejar aulas em grande nível
técnico quando comparado ao início de sua carreira, ao mesmo tempo que nos revela
certa passividade quanto a melhora técnica e atualização do conhecimento teórico
e prático, também nos desvenda mais uma lacuna do conhecimento que merece ser
pesquisada, sendo de grande valia a identificação das causas desta passividade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
naturalização do preconceito nas aulas de Educação Física Escolar é algo sério
e precisa ser repensado. Reforçando, como demonstrado nos resultados, 70% dos participantes
afirmaram que se percebido o preconceito, tomariam algum tipo de atitude. No
entanto, por meio das observações e diário de campo, apenas dois dos treze
participantes realmente interligaram o discurso contido no questionário com a
prática verificada pela etnografia.
Este artigo
não tem o propósito de investigar a magnitude cognitiva do docente quanto às
diversas vertentes do bullying, tão
pouco culpabilizá-lo, no entanto, é preciso a reflexão sobre quais atitudes são
realmente normais em um jogo praticado dentro e fora da escola e quais são
aqueles comportamentos que causarão prejuízos simbólicos ou físicos nos envolvidos
diretamente ou indiretamente nas tramas do preconceito. E com certeza, a
humilhação por ter dificuldades motoras ou de aprendizado dos fundamentos de um
esporte, ou ainda, uma estratégia errada no jogo, os diversos xingamentos, a
classificação desrespeitosa do outro quanto às relações de gênero ou
diversidade sexual, não são fatos ou atitudes naturais, mas sim, preconceitos
enraizados negativamente em nossa sociedade. Portanto, deve ser discutido e
repreendido em ambiente escolar, local de formação de cidadãos.
Como
apontam Louro (1997) e Butler (2003), em ambiente escolar afloram práticas
corporais evidenciando o masculino e o feminino. O corpo é usado para se auto-firmar
ou mostrar para os demais sua masculinidade ou sua delicadeza, construindo
marcas de gêneros através da cultura do preconceito.
Não somente
nesta, mas esta é uma perspectiva que o docente pode trabalhar em suas aulas,
com trabalhos, jogos reflexivos, exposições, entre outros. Quando um discente
desvia o comportamento para agressões físicas, simbólicas e/ou de gênero,
evidenciando identidades sociais diferentes das esperadas por ele, e talvez, pela
classe, ocorrerão atos normativos ou naturalistas para forçar o aluno
estigmatizado a se representar diante de estereótipos e não como realmente se
sente e se reconhece - alunos chamando a todo o momento o outro de “gay” e
“bichinha” -.
Além disso,
é preciso que o docente entenda quais são os pontos gatilhos para o
preconceito. Nas aulas de Educação Física, geralmente esses gatilhos advém das
discrepâncias entre as habilidades motoras.
A
afirmativa diante da motricidade se confirma no exemplo de Perfeito (2011), no
qual explana que alguns alunos do curso de Educação Física com grande
hipertrofia muscular e/ou pouca habilidade para os fundamentos dos inúmeros
esportes, diversas vezes, são estigmatizados e apontados como incapazes de se
tornarem bons professores futuramente. Relata ainda, que presenciava sugestões
preconceituosas por parte dos outros graduandos, como a do discente
estigmatizado procurar o curso de Informática ou Administração, em que supostamente,
só precisaria trabalhar sentado. Como professores de Educação Física, todos nós
sabemos que o sucesso na profissão não está somente pautado na habilidade
corporal, sendo esta, apenas uma das vertentes de trabalho, revelando um discurso
fundamentado no preconceito e na “desutilização” da inteligência.
Mais do que
isso, é possível se pensar que todo esse preconceito incalculável e sem freios,
em parte, é estimulado pela passividade do docente, que ao não tomar qualquer
atitude diante do bullying, mesmo sem
perceber, naturaliza-o em suas aulas, e consequentemente, na sociedade. Assim,
devemos sempre nos atentar ao que acontece diante de nossas aulas e,
principalmente, em nossas ações de naturalização do preconceito, pois como já
dito, o professor é agente modificador e transformador, pois é modelo de cópia
de seus alunos, sejam essas condutas positivas ou negativas.
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