Como citar: 

PERFEITO, Rodrigo Silva; BARBOSA, Isis de Andrade.  A correlação dos mecanorreceptores na liberação miofacial para reabilitação cinéticofuncional: uma revisão sistemática. Higia. 2020; 5(1): 322-333. 




A correlação dos mecanorreceptores na liberação miofacial para reabilitação cinéticofuncional: uma revisão sistemática

Rodrigo Silva Perfeito1
Isis de Andrade Barbosa2

1- Diretor do Instituto Fisart e Mestre em Ciências da Atividade Física pela Salgado de Oliveira
2- Fisioterapeuta, formada pela Universidade


      Resumo
A técnica de liberação miofascial atua através de mobilizações manuais ou instrumentais, no qual, o terapeuta aplica um tipo de estresse mecânico no tecido alvo, visando melhorar a performance do movimento ou alguma disfunção osteomioarticular. Uma das principais teorias para o sucesso da técnica seria a estimulação do Sistema Nervoso Central (SNC) por meio dos mecanoceptores. Assim, o objetivo desse estudo é o de correlacionar a ação dos mecanorreceptores nos efeitos positivos que liberação miofascial proporciona na reabilitação de pacientes com perda de deslizamento intertecidual. Para isto, utilizamos um formato de revisão de literatura sistemática a partir de análises de artigos científicos encontrados nas bases de dados Pubmed, Medline e Lilacs. Os critérios de inclusão foram publicações em português, inglês e espanhol no período de 2008-2020, e que após leitura de resumo, apresentasse a correção com o objetivo aqui traçado, resultando em 9 referências. Outros artigos foram pesquisados no Google Acadêmico para complemento das reflexões. Considera-se que a técnica de liberação miofascial influencia os mecanorreceptores, e consequentemente, no resultado alcançado.

Palavras chave: Reabilitação Cineticofuncional; Mecanorreceptores; Liberação miofascial.

      Introdução
     No campo da reabilitação, várias técnicas têm obtido resultados satisfatórios no que diz respeito à promoção da funcionalidade, principalmente em seus efeitos agudos. Dentre essas estratégias, a intervenção no sistema miofascial vem ganhando destaque1. Sua aplicação é tão versátil que está sendo estudada desde a melhora no desempenho da flexibilidade2 a efeitos em pacientes pós-operatório com fibrose em abdômen3.
     Assim como outras técnicas de terapias manuais, a liberação miofascial não visa estimular uma única estrutura. Além do trabalho muscular, alcança outro componente do conjunto dos tecidos moles, a fáscia4. Compreende-se esta última como uma estrutura em teia conectada desde o crânio até a planta dos pés, que ao apresentar disfunção, influencia na funcionalidade de outros sistemas, como o esquelético, causando disfunções osteomioarticulares, como a lombalgia5.
      A técnica atua nos músculos e nas fáscias através de ações manuais ou instrumentais aplicando estresse mecânico no tecido disfuncional ou interligado com o objetivo de liberação intertecidual6, e com isso, auxiliando na manutenção ou restauração da função articular, analgesia, recuperação tecidual, entre outros7.
     Além do auxílio na reabilitação advindo na melhora mecânica pelo deslizamento intertecidual, outro fator que pode favorecer a técnica advém do estímulo nos mecanorreceptores6.
   Trata-se de receptores sensoriais que captam estímulos mecânicos, ofertando constantes informações ao sistema nervoso central (SNC), participando na propriocepção e na sensação de dor. Dessa forma, é possível destacar alguns deles na influencia de como os terapeutas devem abordar determinadas disfunções teciduais. São eles: Órgãos terminais de Ruffini, Órgãos terminais de Golgi, Corpúsculo de Pacini e Órgão tendinoso de Golgi8,9.
      Portanto, a problemática deste estudo se consolida na percepção de que maneiras diferentes com que cada receptor ou estrutura neural dentro da fáscia responde a distintos estímulos, como quantidade de pressão, velocidade, duração e outros fatores determinantes, têm bastante relevância para a prática clínica, uma vez que, Chaitow7 relata que a fáscia oferece várias formas de ser compreendida e que diferentes estímulos mecânicos podem influenciar de modo específico o SNC diante do diagnóstico traçado.
      Sendo assim, este estudo tem como objetivo correlacionar a ação dos mecanorreceptores nos efeitos positivos que liberação miofascial proporciona na reabilitação de pacientes com perda de deslizamento intertecidual através de revisão de literatura sistemática.
      Como relevância científica, propomos mais um estudo para se juntar ao escopo de referências com essa temática, que ainda é pouco abordada entre os profissionais da saúde. E como relevância social, o aprimoramento das reflexões sobre a técnica no intuito reabilitar pacientes que possuem indicação para a liberação miofascial com mais eficiência.

       Materiais e métodos
     Para atingir os objetivos deste trabalho, foi realizada uma revisão de literatura sistemática com coleta de dados nas plataformas Pubmed, Medline e Lilacs para confecção dos resultados, e devido à escassez de artigos específicos, também o Google Acadêmico e livros de acervo pessoal para auxiliar no estudo da arte. Também pela escassez e qualidade do estudo, utilizamos fontes que usavam a liberação miofascial de modo indireta pela terapia manual, como em Almeida et al10. Foram utilizados para a busca os descritores: mecanorreceptores, fáscia e liberação miofascial em português,
inglês e espanhol.
     Como critérios de inclusão, estabelecemos publicações no período de 2008-2020, e que após leitura de resumo, apresentasse correlação relevante com o objetivo aqui traçado, resultando em 9 referências.
       A pesquisa foi registrada no National Institute for Health Research na plataforma International Prospective Register of Systematic Reviews (PROSPERO) com o id: 180989. Também foram gerados documentos que confirmam não existir conflito de interesses entre os autores pelo International Committee of Medical Jounal Editors (ICMJE)

     Resultados
   Foram encontradas 211 referências nas Pubmed, Medline e Lilacs. Após leitura de resumo o número para 35 referências: Pubmed 29 (83%), Medline: 4 (11%) e Lilacs: 2 (6%). Com a adoção dos outros critérios de inclusão, chegamos ao número final de 9 referências: Pubmed (n=7; 78%), Medline (n=1; 11%), Lilacs (n=1; 11%).




     O maior número de estudos foi encontrado na plataforma Pubmed (n=7; 78%), Medline em segundo lugar (n=1; 11%), e por último, Lilacs (n=1; 11%).




     O gráfico seguinte apresenta a análise do perfil da amostra contida nos artigos pela variável sexo. Amostra apenas com sexo masculino (n=3; 33%), apenas com sexo feminino (n=1; 11%), ambos os sexos (n=4; 44%) e que não apresentou o sexo (n=1; 11%).


     Além dos gráficos e do fluxograma, foi elaborado um quadro para melhor exposição e entendimento das referências selecionadas, a qual, permite uma esquematização dos dados encontrados quanto ao autor e ano, sexo da amostra, tipo de estudo e resultados obtidos.

   
Quadro 1. Descrição de artigos.


Autor/ ano

Amostra/ sexo
Tipo de estudo
Resultados
Almeida et al.10
N. 9
Feminino
Estudo experimental 
Este estudo demonstrou que as técnicas de terapia manual com liberação tecidual no tratamento fisioterapêutico, foi efetivo nos sintomas de cefaleia cervicogênica. E afirma que as técnicas para tratar os tecidos moles tem ligação com os estímulos dos mecanorreceptores.
Arruda, Stellbrink e Oliveira4
N. 20
Masculino

Estudo de Campo
.
Proporcionou um aumento de amplitude de movimento na região dos músculos isquiotibiais.
Ercole et al.1

n. 40
17 Masculino
23 Feminino
Estudo de Campo
O estudo evidenciou que existe diferença de tempo no tratamento da dor subaguda e crônica. Foi percebido aumento da mobilidade do tecido e diminuição da dor. Melhora da fluidez da MEC permitindo que as terminações nervosas se adaptem a pressão exercida pelo fisioterapeuta.

Loghmani11
N. 51
sexo não citado.
Estudo de abordagem experimental
O estudo mostrou que a mobilização do ligamento assistida por instrumento acelerou o processo de cicatrização no ligamento colateral medial.
Luomala et al.12
N. 1
Masculino
Estudo de caso
O estudo mostrou através do ultrassom e elastografia que, após a técnica de manipulação miofascial, as camadas fasciais se apresentaram mais elásticas e aumentou o deslizamento entres as subcamadas fasciais durante a contração muscular.
MacDonald13
N. 11
Masculino
Estudo de Caso
Observou que a técnica trabalha na manutenção do tecido mole para amplitude de movimento articular e otimizar a função muscular.
Stecco et al.14

N. 28
13 masculino
15 feminino.
Estudo clínico piloto
O estudo mostra que a anatomia da fáscia fornece explicações para a eficácia de tratamentos miofasciais em disfunções musculoesqueléticas, interpretação de distribuição da dor, identificando as áreas chaves para um tratamento eficaz.
Stecco et al.15
N. 25
10 Masculino
15 Feminino
Estudo clinico
Este estudo colocou em evidência que o tecido conjuntivo frouxo é rico em HA entre fáscia profunda e músculo esquelético. Os dados sugerem que não há grandes variações na espessura das camadas fasciais entre os doentes, bem como não há grandes diferenças na histologia. Isto apoia o conceito de que a ultrassonografia pode ser um bom método para estudar a fáscia profunda e sua conformação em diferentes regiões
Tozzi16

N.120
84 Masculino
36 Feminino
Estudo de abordagem experimental
O estudo mostra eficácia na técnica de deslizamento nas camadas fasciais, melhorando a mobilidade tecidual e diminuição na percepção da dor.

       Discussão
     A anatomia da fáscia pode fornecer explicações biomecânicas para a eficácia dos tratamentos miofasciais em disfunções musculoesqueléticas. Alguns resultados positivos são a redução de dor, circulação restaurada, transformação da matriz extracelular da fáscia profunda e reorganização de sinais aferentes incoerentes que podem ativar erroneamente receptores proprioceptivos imprecisos, gerando recrutamento muscular desconexo e inflamação periarticular, resultando na ativação de nociceptores em torno da articulação14, ou ainda, melhora tecidual em pacientes com fibrose3 ou outras enfermidades que afetam o deslizamento intertecidual de qualquer região corporal.
      Também é possível verificar o relaxamento muscular e a neuromodulação através de estímulos dos mecanorreceptores no sistema nervoso autônomo10, ou ainda, na dor, depressão, ansiedade e qualidade do sono em pessoas com fibromialgia17, demonstrando que a técnica pode ser utilizada em diversas vertentes.
     Para alcançar esses resultados, principalmente referente aos nociceptores, é preciso levar em consideração a individualidade biológica e especificidade de cada lesão, porém alguns pesquisadores sugeriram em seu estudo uma média temporal necessária na aplicação da técnica miofascial. No caso de dor subaguda, com 3 minutos foi possível reduzir a sintomatologia pela metade, e em dores crônicas, 2 minutos. Os terapeutas envolvidos na pesquisa observaram ainda que houve um aumento na mobilidade do tecido ao mesmo tempo em que os pacientes percebiam a redução da dor. Também
houve aumento no deslizamento dos tecidos e da temperatura tecidual, transformando a matriz extracelular de denso para mais fluido, permitindo a adaptação das terminações nervosas dentro da fáscia para captar a pressão exercida pelo terapeuta durante o tratamento, resultando na redução da dor1.
      O efeito álgico pela tensão tecidual ocorre, pois as fáscias podem apresentar enrijecimento ao longo do tempo, fazendo com que o corpo humano perca sua capacidade fisiológica adaptativa e de movimentação. Em outras palavras, com a tensão fascial, toda banda muscular também se torna rígida limitando a amplitude de movimento, expondo o sistema de tecidos moles a traumas, dores e diminuição da flexibilidade4. Essa tensão também pode ser explicada pelo acúmulo de cristais de cálcio nos ventres e nas barreiras teciduais6.
     Para testar essa relação tensão/dor, alguns autores utilizaram o ultrassom e a elastografia para quantificar a densificação e disfunção no movimento da fáscia. Perceberam que a dor miofascial está relacionada a alterações no deslizamento entre os tecidos moles, por conseguinte, a liberação miofascial diminuiria a dor e provocaria mudanças positivas na fáscia profunda12.
      Perpassando o sintoma de dor e traçando o pensamento de mobilidade articular, trabalhar também a fáscia, e não só a unidade músculo-tendinosa, é importante para evitar que o ganho terapêutico seja minimizado pelo tensionamento que a fáscia irregular pode causar. Portanto, é ideal que os componentes fáscia e músculo sejam trabalhados concomitantemente4. Os autores apontam que após a liberação miofascial encontraram resultados de melhora do desempenho em exercícios de flexibilidade. Em estudo mais atual, foi encontrado o mesmo resultado2.
      A melhora de desempenho nessa valência pode ser explicada através das restrições fasciais que ocorrem regularmente em resposta as lesões, inatividade física, inflamação ou doença, ocasionando perda da elasticidade e desidratação da fáscia.
      Quando essa estrutura perde sua elasticidade e se torna desidratada, liga-se em volta das regiões traumatizadas, ocasionando uma adesão fibrosa. O autor sugere ainda, que nesse tipo de tratamento, a liberação miofascial deve ser realizada com alta pressão e de forma lenta13.
     Outros autores também defendem que para liberação de regiões com aderência tecidual severa com presença de dor, existe maior eficácia na técnica com deslizamento lento, melhorando função e mobilidade dos tecidos moles e diminuição na percepção de dor1,14,16. Outros já defendem que a pressão e velocidade empregadas não devem levar em conta somente o nível de aderência, mas também aspectos sociais e fisiológicos, como o não gostar de sentir dor durante o procedimento ou tolerância à mesma6.
       Além da tensão exercida na técnica no caso de reabilitação, a aplicação da liberação miofascial de modo contínuo, mesmo na ausência de lesão tecidual, pode ser importante. O Ácido Hialurônico é um elemento que precisa ser avaliado como um restritor de movimento quando não está nas conformidades biológicas. O mesmo pode ser encontrado entre fáscia profunda e músculo esquelético. Exerce função de manutenção do deslizamento entre fáscia e músculo e entre as diferentes subcamadas da fáscia, uma vez que fornece a viscoelasticidade necessária para o movimento do músculo esquelético. Suas propriedades são moduladas pela temperatura, pressão e
elementos químicos. Com seu comprometimento, pode ocorrer alteração da viscoelasticidade do tecido conjuntivo, comprometendo a estrutura da fáscia15.
     Quando a desconformidade não ocorre somente no músculo e na fáscia, como em uma lesão ligamentar, é sugerido que advenha junto com a liberação miofascial, a mobilização do ligamento assistida por instrumento, acelerando o processo de cicatrização. O estudo mostra ainda um alinhamento nas fibras de colágeno e melhora nas propriedades mecânicas do ligamento11.

       Considerações finais
      Existe uma escassez alta de estudos sobre a liberação miofascial, principalmente no que tange a discussão sobre os mecanorreceptores, o que dificulta conclusões mais concisas e abre a necessidade de mais publicações sobre o assunto.
     Com os poucos estudos encontrados, foi possível considerar, e não concluir, que a forma que realizamos a liberação miofascial influencia na estimulação dos mecanorreceptores, e com isso, no efeito terapeutico, sugerindo que aplicações com mais ou menos velocidade, com mais ou menos pressão, podem influenciar diretamente no resultado alcançado.
     Apesar dos dados contidos nos estudos não serem suficientes para qualquer afirmação, faz-se interessante o pensamento de que ao executar as técnicas de liberação miofascial, o terapeuta tenha o discernimento entre ritmo, velocidade, pressão, duração da carga e a direção do plano fascial a ser trabalhado, uma vez que cada receptor mecânico parece reagir a estímulos diferentes.

      Referências

1. Ercole, B. et al. How much time is required to modify a fascial fibrosis. Journal of Bodywork & Movement Therapies. Italia, p. 318-325. abr. 2010.

2. Silveira, I; Nascimento, M; Faria, R. Análise comparativa da eficácia da aplicação do alongamento convencional e técnica energia muscular em acadêmicos. Revista das Ciências da Saúde e Ciências aplicadas do Oeste Baiano-Higia. 2020; 5(1): 134-147.

3. Pereira, D; Almeida Sá, M; Oliveira, J; Polese, J; Silva, F. Efeito da liberação miofascial em fibrose no pós-operatório de lipoaspiração em abdome: um estudo piloto. Revista Interdisciplinar Ciências Médicas - 2020 4(1): 55-61.

4. Arruda, G; Stellbrink, G; Oliveira, A. Efeitos da liberação miofascial e idade sobre a flexibilidade de homens. Ter Man. 2010; 8(39):396-400.

5. Mundim, B; Baldessar,E; Garcia, E; et al. Práticas integrativas e complementares realizadas em pacientes com lombalgia em uma Unidade Básica de Saúde na região noroeste do Paraná: relato de experiência. Revista Eletrônica Acervo Saúde, (43), 2020.

6. Perfeito, R. Crochet Miofascial. Rio de Janeiro: Instituto Fisart, 2020.

7. Chaitow, L. Terapia manual nas disfunções para fáscia. Porto Alegre: Artmed, 2017.

8. Guyton, A. Fisiologia Humana e Mecanismos das Doenças. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.

9. Mayers, T. O mundo de acordo com a fáscia. In: Myers, T. Trilhos Anatômicos. Estados Unidos: Elsevier, 2010

10. Almeida, R; et al. Efeitos da terapia manual na cefaleia do tipo cervicogênica: uma proposta terapêutica. Acta Fisiatrica. p.53-57, jun. 2014.




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