Como citar: 

PERFEITO, Rodrigo Silva. Reflexões sobre as dificuldades encontradas entre a prática de atividade física e as doutrinas religiosas. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 165, Febrero de 2012.





    Reflexões sobre as dificuldades encontradas entre a prática de atividade física e as doutrinas religiosas

     
      Resumo

    Com o passar dos anos, averiguamos que o Ser humano vem passando por diversas modificações sociais. É possível encontrar nos mais diversos meios de comunicação, apelações sobre a melhora nos hábitos de saúde, obtenção da qualidade de vida e a inserção da atividade física como um meio possibilitador a esses objetivos. Diante da crescente valorização da expressão corporal, este estudo procura entender as relações conflituosas entre o corpo e a religiosidade, buscando verificar se existe algum tipo de agente limitador, quanto à cultura corporal, de cunho religioso. Para tal, nos sustentaremos em referenciais científicos que estudam o corpo primata e suas primeiras influências religiosas (PELEGRINI, 2004), alcançando os moldes da igreja no corpo, apresentando dualidades que dividem o Homem em sagrado e profano (ELIADE, 1992). Após revisão de literatura, campeamos a identificação da possível existência de dificuldades encontradas em praticar atividade física, sustentados na visão dos seguidores da religião evangélica, especificamente, membros da Igreja Universal do Reino de Deus. Para tanto, foi realizada uma entrevista direcionada aos líderes religiosos das instituições de bairros e sub bairros das Zonas Oeste e Norte do Rio de Janeiro. Como resultado da pesquisa, é possível a detecção de algumas restrições ainda existentes nesta determinada doutrina. É sabido que o corpo é um meio de captação social, educacional e afetivo, recebendo influencias externas em seu processo de maturação e molde cultural. Portanto, é sugestivo que qualquer restrição, religiosa ou não, irá influenciar negativamente no desenvolvimento cultural, afetivo e psicomotor da criança, adolescente ou adulto.

Palavras chaves: Atividade Física, Doutrina religiosa, Corporeidade.


Abstract

Over the years, we ascertain that the human being has undergone several social changes. You can find in various media, appeals on the improvement in health habits, getting the quality of life and inclusion of physical activity as an enabler through these goals. Given the increasing importance of body language, this study seeks to understand the conflicting relationships between the body and religion, to check if there is some sort of limiting agent as to the physical culture of a religious nature. To this end, scientific references to support us in studying the body and its first primate religious influences (Pellegrino, 2004), reaching the molds in the body of the church, with dualities that divide man into the sacred and profane (Eliade, 1992). After literature review, field identification of the possible existence of difficulties in physical activity, supported the view of the followers of evangelical religion, specifically, members of the Igreja Universal do Reino de Deus. For this, an interview was conducted directed at religious leaders of neighborhood institutions and sub districts of West and North Zone of Rio de Janeiro. As a result of research, it is possible to detect some restrictions still exist on this particular doctrine. It is known that the body is a means of capturing social, educational and emotional, getting outside influences in their maturation process and mold culture. Therefore, it is suggested that any restriction, religious or not, it will negatively affect the cultural, affective and psychomotor child, teenager or adult.

Keywords: Physical Activity, religious doctrine, Corporeality.


        Introdução

O corpo, através das representações simbólicas, é percebido como um meio utilizado pelo Ser humano para exteriorizar suas emoções, sensações, desejos e ligação com o sagrado (MONTENEGRO, RETONDAR e MONTENEGRO, 2007). Esta relação sócio afetiva se revela apenas quando a mesma supre alguma carência humana, física ou emocional, e assim, percebida como possuidora de valor (BERESFORD, 2009). O Homem, desde a idade das pedras, somente gravava nas rochas cenas que representavam no escopo dos acontecimentos de sua vida ações que representassem simbolicamente algo vivido, importante e que remetesse às emoções. Desenhava, dessa forma, o ato da caça, da alimentação, vida e morte, entre outros. É possível aludir que tais imagens possuíam cunho religioso, agradecendo pela vida e homenageando aqueles que se foram (FARO, 2001). Atrelado a possível religião, a atividade física já estava presente nos costumes desses indivíduos como meio de subsistência. No entanto, sem as restrições sociais emitidas por alguns órgãos religiosos (GIUMBELLI, 2008). Assim, sem as fragmentações ocasionadas pelas crenças e punições comportamentais, gozavam plenamente de seus movimentos.
      Diante da atual repreensão social, este artigo tem por objetivo detectar a presença de dificuldades nas práticas corporais devido aos adestramentos físicos comportamentais de algumas religiões, perpassando pela antiguidade até alcançar o mundo contemporâneo. 
     Trata-se de um tema pouco discutido na literatura da Educação Física brasileira, sendo pertinentes, reflexões embasadas em estudos da Antropologia e Sociologia, com o intuito de revelar as possíveis imposições sobre o corpo. A problemática a ser dialogada será: os possíveis tipos de atividades físicas que os seguidores religiosos são proibidos ou restringidos de executar, moldando assim, suas práticas corporais e sociais. Ocorrerão indagações sobre a relação das práticas corporais e a religião. E ainda, caso exista, entre as duas práticas, qual seria prioridade. Por último, quais seriam as repercussões das praticas corporais restringidas em crianças, já que a mesma contribui para o desenvolvimento psicomotor e psicossocial de qualquer indivíduo inserido na sociedade (PERFEITO e CERQUEIRA, 2011).  Estes fatores apontados acima serão alguns suportes reflexivos ao longo do artigo.


     Revisão de literatura

     Focamos nesse estudo a corporeidade como centro de nossa pesquisa e discussão, verificando se existiu ou se ainda existe, na atualidade, bloqueio de expressões corporais naquele indivíduo que integra alguma religião. Para isso, foram feitas revisões e ponderações no curto referencial teórico encontrado sobre a temática. Em momento posterior, associamos a pesquisa de campo com determinadas literaturas antropológicas e sociológicas, sugerindo reflexões no campo voltado à Educação Física. Nas proximidades das considerações finais, foram realizados feedbacks da história do corpo antigo e suas influências na cultura corporal contemporânea. 
    Iniciaremos nossa revisão de literatura com Pelegrini (2004) onde relata que o Ser humano instrumentaliza sua comunicação através do próprio corpo, observando que:

Desde os primórdios da humanidade, a presença física foi fundamental e requerida como atributo necessário à sobrevivência da raça. O Homem primitivo precisava de uma intensa participação corporal, essencialmente pelo predomínio da linguagem gestual como principal meio de expressão e por sua interação com a natureza. Os fenômenos naturais determinaram as relações sociais do Homem primitivo. Nesse contexto o domínio da natureza se inseriu como base da organização social (PELEGRINI, 2004, p.02). 

     Percebemos então, que o Homem chamado de primitivo possuía, de forma integral, seus movimentos sem qualquer interferência restritiva advinda de órgãos sistematizadores. Assim, Pelegrini (2004) prossegue seu raciocínio relatando que: 

No início do século III a.C. as percepções sobre o corpo reveladas através da escultura demonstraram a preocupação com a mobilidade corporal. As representações artísticas adquiriram maior dramaticidade, buscando o contraste entre o nu e o vestido, a vida e a morte, a força e a debilidade física. Todavia, no momento em que a dominação política do Império Romano se impôs a construção do pensamento filosófico, e por consequência, as acepções corporais instituídas por ele foram alteradas. Embora tenha sido atribuído ao culto do corpo um valor pagão (PELEGRINI, 2004, p.03). 

     Neste escopo, o corpo recebe influências políticas e religiosas, associando-se a questões ditas pagãs. Questões essas, que atribuíam o corpo ao sentido de vazio, pedaços de carne sem valor e destituídos de complemento espiritual. 
     A partir desse momento, a igreja moldava as influências da corporeidade e julgava o que era certo ou errado. 
     
A presença da instituição religiosa restringia qualquer manifestação mais criativa. A moral cristã tolhia qualquer tipo de prática corporal que visasse o culto do corpo. A concepção dualística do Homem foi retomada e reacendeu a visão do corpo corrupto e pecaminoso, considerada empecilho ao desenvolvimento da alma (PELEGRINI, 2004, p.03).

     Devido às influencias direcionadas pela religião, surge uma visão diferenciada perante os praticantes de atividade física. Essas pessoas, na maioria dos casos, tinham como objetivo principal o desenvolvimento muscular/estético. Nessa época, através do corpo, eram criados sinais direcionadores para elite populacional. Assim, o grupo forte, guerreiro e bonito, deveria ter corpos delineados e fortes. Não existia ainda a preocupação em obter qualidade de vida através da atividade física. Como tudo aquilo que se apresentava no corpo ou através do corpo de maneira diferente aos moldes da igreja, esses praticantes eram tidos como indivíduos pecadores e sem alma. Eliade (1992) complementa tal pensamento expondo que: 

A primeira experiência religiosa do Homem é antes de tudo a manifestação do sagrado, ou melhor, definindo-se em sua oposição ao profano, pois mostra como algo diferente; assim temos duas modalidades de experiência: sagrada e profana, isto é, dois modos de ser-no-mundo, duas situações existenciais assumidas pelo Homem (ELIADE, 1992).

     Ainda segundo Eliade (1992), existia a separação do Homem em dois grupos sustentados pelas diferenciações comportamentais, ditas como sagrado e profano. O primeiro advinha da esfera divina sem interferências humanas. O segundo era considerado sinônimo de violação à santidade. Assim, aqueles que despertavam qualquer manifestação corporal sem autorização da religião se tornariam indivíduos profanos.
     O corpo era ainda considerado instrumento de rituais avaliados como profanos pela igreja:

Prática de certos rituais realizados com o objetivo de manter o contato com a esfera divina. Percebemos que existia uma profunda relação entre estes rituais e o corpo do fiel que o praticava, pois eram justamente os gestos realizados durante o ritual que davam significado a ele. Na sociedade contemporânea estes rituais primitivos já não ocorrem, ou pelo menos não com a mesma forma e frequência com que ocorriam nas sociedades primitivas. Muita coisa mudou ao longo do tempo, mas há algo que permanece: o uso e a importância do corpo nas práticas religiosas (MAUSS e HUBERT, 2005, p.02). 

      Na visão de Mauss e Hubert (2005) o corpo se torna objeto de interação com o sagrado. Mesmo diante da diferente utilização do corporal nas religiões, o mesmo ainda é um dos principais meios de linguagem religiosa e contato com o divino. 

É um conceito que pode ser percebido ainda nos dias de hoje quando observamos as diversas modalidades de religiões existentes, e percebemos que, senão em todas, na maioria delas encontramos rituais que servem ou para pedir algo à divindade, ou para agradecer a dádiva já recebida (MAUSS e HUBERT, 2005, p.03). 

      Os rituais religiosos, na grande maioria, sacrificam o corpo para mostrar devoção divina. Ou ainda, também através do corpo, demonstram por meio de danças ou desenhos com tinturas corporais a representação simbólica da entrega do corpo ao divino, criando identidades (GOFFMAN, 1963). O sacrifício tem características primitivas. No entanto, mesmo com modificações nas manifestações corporais religiosas, permanecem constituindo uma espécie de contrato selado com Deus. Tal sacrifício tem sentido diferenciado, inexistindo a visão de dor ou mutilação do mesmo. É percebido como uma retribuição espiritual. Doa-se o corpo em troca da graça ou perdão pelos pecados (MAUSS e HUBERT, 2005).
      
Nestas denominações religiosas, por seus costumes serem mais conservadores, fica evidente um tipo de educação corporal que recai sobre seus membros de forma rígida e estereotipada. Estes evangélicos se vestem de forma diferente, agem de forma diferente e não fazem as mesmas coisas que fazem as pessoas que não são de sua igreja. Seus corpos são constantemente utilizados para atestarem materialmente sua fé. Cria-se um modelo de “como ser evangélico” que é demonstrado pelo fiel através de seus quesitos corporais (MAUSS e HUBERT, 2005, p.07).

      Para os autores acima, existe uma preocupação exarcebada e quase imutável em “não cair em tentação”, moldando a gestualidade para os padrões da igreja. Tal fato representa nos dias atuais, um tipo diferenciado e moderno de sacrifício corporal. 

Os fiéis aprendem modos de se comportar que devem ser seguidos e respeitados não só nos momentos de culto e sim na vida cotidiana. Eles sabem que estão sempre sob a vigília, não somente de Deus, mas de todos os membros de sua igreja. Neste sentido, o indivíduo é alvo de uma educação religiosa que servirá para atestar sua crença religiosa diante da sociedade a partir dos gestos e dos usos que faz do próprio corpo (MAUSS e HUBERT, 2005, p.08). 

      Em reflexão ao referencial teórico adotado, é possível aludir que tanto o passado como o presente, no tocar do comportamento corporal, sofre influências da religiosidade. Existe ainda o sacrifício através do corpo, que se modifica entre as datas apenas por alguns detalhes. Mauss e Hubert (2005) exemplificam o sacrifício presente nas religiões denominadas evangélicas, tradicionais e católicas. Diante desses achados, a pesquisa caminhará por outros passos: verificar se existe alguma questão referente ao comportamento ou vestimenta utilizada pelos fiéis, na atualidade, que pertençam ao segmento Neopentecostal, Igreja Universal do Reino de Deus, aplicando um questionário aos lideres (pastores) para identificar qual é a forma de relacionamento, em suas visões, entre a atividade física e a religião.


      Metodologia

     O presente estudo tem por objetivo identificar como se apresenta a atividade física e sua importância diante dos seguidores da religião evangélica, especificamente, membros da Igreja Universal do Reino de Deus. Para tal, foi aplicado questionário do tipo aberto em formato de entrevista. A coleta de dados foi direcionada aos líderes religiosos das instituições de bairros e sub bairros das Zonas Oeste e Norte do Rio de Janeiro. A entrevista foi constituída de sete perguntas discursivas e objetivas na perspectiva de confrontar suas respostas e verificar a existência de pensamentos contraditórios ou igualitários. A amostra foi constituída de oito líderes de diferentes unidades, com faixa etária de vinte e cinco a oitenta anos de idade; sexo masculino; com tempos de liderança que variam de um a trinta e três anos; formação acadêmica que oscilava do ensino básico fundamental a graduação de teologia (apenas um); todos casados e cinco dos oito possuíam filhos. Após coleta de dados, suas respostas foram analisadas através do referencial teórico decorrente no estudo. 


      Resultados e discussões

     A primeira pergunta possuiu intuito de analisar, na visão dos líderes, se a atividade física ostentava algum beneficio à sociedade: 

     1 - Em sua opinião, qual é a importância da prática de atividade física? 

    Os participantes não esquivaram da visão cientifica contestando informalmente que a prática de atividade física é importante. “Forma essencial para obter saúde”; “a importância da atividade física já foi comprovada através de vários estudos científicos, é inegável afirmar que melhora a qualidade de vida em vários aspectos”; “essencial, quanto mais saúde, mais se utiliza o corpo para Deus”; “importante para a saúde”. Diante de suas respostas, podemos verificar que todos ostentam noções a respeito da importância da atividade física para a qualidade de vida. 
     Prosseguindo as indagações, a segunda pergunta tem o desígnio de verificar se existe alguma atividade física pertencente à instituição: 

    2 - A instituição religiosa apóia ou realiza algum tipo de atividade que incentive os seguidores à prática regular de atividade física? 

     Suas respostas direcionavam para dois pontos de vista: um positivo, e outro negativo no que se refere a presença da atividade física participante dos programas religiosos. Algumas das instituições revelaram que as práticas corporais são realizadas uma vez ao mês através de torneios de futebol ou encontros de retiro espiritual. Outras, não apresentavam qualquer forma de apoio à atividade física. Ocorre assim, um confronto de pensamento entre os líderes das instituições. Alguns apóiam a atividade física, mesmo que apenas uma vez ao mês, enquanto outros, não sustentavam qualquer prática. Para Salomão e Carmo (2005), a igreja percebia a atividade física como algo destruidor da rotina, objeto que pode causar descontroles emocionais.  
     A terceira pergunta teve a finalidade de descobrir se há algum tipo de restrição para com as atividades físicas por parte da instituição. 

     3 - Existem restrições aos fiéis, no que diz respeito á prática de atividade física? Quais? 
Todos responderam não haver restrições, afirmando que a Igreja não proíbe o individuo de praticar exercícios, sendo de livre arbítrio a sua escolha. Ainda segundo Salomão e Carmo (2005) na visão da igreja, o domínio do corpo distancia o domínio sobre o espírito, afastando a dualidade entre corpo e mente disciplinados. O corpo se tornaria livre para agir e desfrutar de suas potencialidades. 
No quarto questionamento, o objetivo foi apurar qual atividade física deveria possuir barreiras quanto sua prática por parte dos fiéis. 

     4 - Há alguma atividade física que o fiel tem restrição de executar? Qual(s)? 

   Diante das respostas, verificamos algumas restrições. “Sim, esportes violentos”, ”capoeira é uma das atividades mais polêmicas para um cristão pela forte ligação com o candomblé, pertencente à outra religião que nós não apoiamos, mas respeitamos”.  Perante a segunda resposta explanada no parágrafo, refletiremos sobre a capoeira à luz de Castro (2008): a capoeira é uma espécie de jogo/dança, em formato de roda, com cantos, instrumentos e jogos expressivos de origem africana e enraizado na cultura brasileira. É constituída por mitos, se organiza através de complexos movimentos pelo corpo, mantidos e transmitidos pelos mestres. Não pode ser referida como um desempenho artístico, já que na roda de capoeira, as manifestações nunca se repetem. Aproxima os povos distantes, socializa e globaliza. Portanto, qualquer ligação religiosa com o candomblé faz parte da mistificação cultural, que é maleável e pode ser inserida como apoio de outras revelações culturais. Qualquer cultura influencia outras, independente de sua origem.
     Seguindo com o objetivo de detectar alguma restrição social, a quinta pergunta direcionada ao líder teve como finalidade a revelação de advertências quanto às vestimentas de seus fiéis. 

     5 - Há algum vestuário que o fiel tem restrição de usar? Quais? 

   As respostas apontavam o corpo feminino como um instrumento de preservação moral e espiritual. “Vestimenta que abuse da sensualidade”, “curtas e indecentes” e “vulgares”. A exposição do corpo é algo proibido. Para Rigoni (2008), no pensamento religioso, uma mulher que procura ser mais bonita, tem apenas o intuito de despertar a atenção do homem. O fiel deve ser admirado apenas pelas qualidades espirituais, de maneira alguma, através de atributos do corpo. 
     Já a sexta pergunta procura entender como são seus pensamentos acerca da criança e de seu cotidiano posterior à religiosidade. 

     6 - Você percebe dificuldades de inserção de crianças na prática de atividade física nos grupos em que ela participa por conta da crença? 

     Todos mantiveram a mesma linha de pensamento. “Com certeza não, as crianças vivem como crianças comuns, porque são comuns”, “as crianças daqui não possuem esse tipo de dificuldade”, “a criança do segmento evangélico tem facilidade de se inserir/adaptar”, “estou a vinte anos na obra (sentido de liderança em grupo) e não lembro de ficar sabendo de algo assim”. Nas palavras de Pires (2010), independente do credo, as crianças convivem entre si harmoniosamente durante a primeira infância. Porém, por volta dos nove anos, iniciam manifestações de repúdio contra outras religiões, provocando assim, um limiar simbólico separando grupos de diferentes interesses. Esse tipo de fragmentação por grupos (nesse caso, religiosos) favorece a extrapolação do diferente, do melhor e pior e cria identidades moldadas pela sociedade, instituindo vínculos estigmatizadores (GOFFMAN, 1963; PERFEITO, 2011). 
     Finalizando o processo de pesquisa, a última pergunta foi a respeito da visão quanto às vertentes da atividade física e religião. 

     7 - Qual seria a melhor forma de conciliar atividade física e a religião, tendo em vista as restrições de algumas práticas? Qual direcionamento o líder da instituição religiosa daria para o individuo que queira praticar uma modalidade que tenha sido restrita? 

   Todos direcionam a responsabilidade para o próprio fiel. “Aqui nós não proibimos nada, apenas orientamos através da doutrina bíblica e a pessoa escolhe”, “a decisão é sua”, “nós orientamos a procurar nas origens cristãs e em cima da palavra de Deus se há algo falando sobre determinada atividade, mas independente do que for encontrado, a decisão é exclusivamente do fiel”, “deve possuir equilíbrio de relacionar a prática com a religião”. Após as respostas, os líderes religiosos completavam sua fala com um versículo bíblico, como este a seguir: “tudo me é lícito, mas nem tudo me convém”. Associando estas informações aos estudos de Carbinatto e Moreira (2006), é possível verificar que o cristianismo e outras religiões ou crenças, surgem como uma maneira de regular e disciplinar o corpo. Esse, passa a ser caminho para o pecado. Tal pensamento transmite um senso de sacrifício já relatado anteriormente nesse estudo. A religião defende o sacrifício corporal, corpo esse que não tem valor, para alcançar a salvação da alma. Independente da criação ou risco de enfermidades, o autoflagelo é necessário para alcançar o fortalecimento da alma.


     Considerações finais

    Perante considerações em que atestam o corpo como ferramenta eficaz na transmissão de emoções, sensações e de comunicação com o meio, é possível observar que o Ser humano emprega o movimento para o desenvolvimento de sua funcionalidade integral através da prática de atividade física, alcançando entre outros resultados, um melhor estilo de vida. 
     Ponderando o referencial teórico como suporte, é revelador o processo de evolução do corpo e suas influências recebidas através das diferentes políticas que cada grupo acolhe na sociedade, atrelado, simultaneamente, à escolha e ao surgimento de novas religiões, podendo assim, interferir em seu comportamento funcional e social. A presente pesquisa teve como um de seus objetivos, detectar se existe algum tipo de bloqueio referente à atividade física, mesmo em presença de evoluções políticas, religiosas e sociais. Foi possível verificar que o fiel é convidado a se representar socialmente e simbolicamente aos moldes da igreja, apontando as proibições ou aceitações que num primeiro momento, não pertenciam ao fiel. Assim, ocorrem influências comprovadas quando apontamos para a prática das lutas, exposição do corpo, tipo de vestimenta, afastamento de determinados grupos sociais e ainda, repudio para com outras religiões, como se Deus, fosse algo fragmentado e diferente para cada um. Em diversos momentos, eram apresentados confrontos idealistas entre os respondentes (líderes religiosos), expondo incompatibilidades e nos explanando de maneira clara, o porquê da religião não ser considerada ciência, já que membros, do mesmo grupo, não usam conhecimentos homogêneos e sistematizados. É possível verificar que nenhum dos líderes assumiu a responsabilidade quanto às respostas, direcionando toda a responsabilidade ao fiel, como se o mesmo não fosse cobrado quanto as suas atitudes moldadas pela fé do grupo. Mesmo diante de informações concretas e embasadas, é respeitoso sugerir que existem inúmeros fatores que influenciam, direta ou indiretamente, na educação do corpo. As igrejas e doutrinas são apenas uma pequena parte destes elementos. 
     É importante ressaltar que o corpo se constitui como um instrumento de captação informativa dentre as culturas sociais, educacionais e afetivas, disseminando ao mesmo, um perfil “estereotipado” pela sociedade. Apontar a religião como o único meio de adestramento comportamental dos indivíduos, é assumir uma conduta preconceituosa. Mesmo diante de diversas literaturas que apontam a religiosidade como algo que constrói simbolicamente barreiras nas representações simbólicas do sujeito, este estudo não tem como finalidade criticar ou discriminar qualquer religião citada na pesquisa. Buscamos sim, compreender o que ocorre no corpo do fiel e como o profissional de Educação Física pode contribuir para acrescentar, diante de sua permissividade, atributos ao seu corpo e através do corpo, buscando o desenvolvimento afetivo, motor, psicológico e social. 
     Como sugestão, é preciso novos estudos sobre a religião e a atividade física. Umas das grandes dificuldades para realização dessa obra esteve presente no achado de artigos científicos que ao mesmo tempo embasassem o tema e respeitassem a entidade religiosa. Assim, fazem-se importantes estudos na língua brasileira que desmistifiquem o assunto e tragam novas fontes de reflexão.


Referências

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PIRES, F. Tornando-se Adulto: uma abordagem antropológica sobre crianças e religião. Relig. Soc; vol.30, no.1, Rio de Janeiro. Julho 2010.


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